quarta-feira, 28 de maio de 2008

Biopolítica e sociedade de controle: Notas sobre a crítica do sujeito entre Foucault e Deleuze, por Miguel Ângelo

A sociedade na qual estamos mergulhados apresenta-nos uma grande problemática: a formação do indivíduo mediante os infinitos procedimentos de sujeição. Este problema pode ser abordado de várias formas e por várias teorias, mas torna-se urgente uma análise a partir dos dispositivos de poder-saber na sua relação com a questão da verdade. Em outras palavras, a constituição social do indivíduo, a partir da construção de verdades, seja pelo mesmo ou pelo outro, traz em seu bojo o jogo de forças do exercício do poder, e é a análise deste exercício que se apresenta como uma tarefa político-histórica necessária em nossa sociedade atual. Foucault, em sua genealogia do poder desde os anos 70, nos legou um belo trabalho nesse sentido. O estudo da relação da verdade com o poder permitiu-lhe diagnosticar, historicamente, os contornos do que chamou de sociedade disciplinar, para além da sociedade de soberania, caracterizando suas técnicas e desenvolvendo dois conceitos que se cruzam: o de anátomo-política e o de biopolítica ou biopoder — fundamentais para o entendimento de uma disciplinarização dos corpos em prol de uma economia da verdade.

Aqui temos: poder, sujeição, confinamento, disciplina e verdade. A crítica do sujeito, já em prática desde o anti-humanismo de Foucault dos anos 60, no fundo, é uma crítica do poder na sua relação com a verdade. Em uma aula do curso Em defesa da Sociedade, ele explicita: “Não há exercício do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. Somos submetidos à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a produção da verdade.” [1] (Foucault, 2000, p. 28-29). Tendo isso em mente, podemos perguntar: como se desenrolaria tal crítica mediante o modelo social no qual estamos inseridos hoje? Para Foucault, o foco de análise histórica são as práticas, práticas políticas de dominação e evidência da verdade perante o indivíduo. Dá-se, então, o encontro com a biopolítica.

[...]

Leia o texto na íntegra em Revista Cinética; Estéticas da Biopolítica.

4. A compaixão dos fortes e o cuidado de si mesmo, por Amauri Ferreira

Um povo doente não conhece o sentimento elevado que as palavras amizade e amor podem expressar. Pela ótica vulgar, quem verdadeiramente ama (ou quem é verdadeiramente amigo) é o sujeito que abastece o outro somente com afetos alegres. Seja nos momentos de alegria e de tristeza, a presença do outro é uma exigência, como se sua prontidão para amar, para ser atencioso, fosse a prova do seu amor e amizade. O cristianismo bebeu muito dessa fonte, ao transformar o amor ao próximo em um bem supremo.
Mas quem não é causa da sua própria alegria, que não ama a si mesmo, exige que alguém lhe ame. De fato, é importante distinguir a diferença entre uma aliança de fortes e uma união de fracos: no primeiro caso, a relação de aliança não deixa escapar o surgimento da dor, pois o que também os mantém juntos é a grandeza de suportar a dor, de fazer um uso interessante dela, não reagindo de modo baixo, com acusações e exigências, mas entendendo que a dor é apenas um “mau jeito” que emerge no encontro dos corpos; já no segundo caso, quando a dor aparece, surge uma inimizade, que pode até transformar-se em ódio: o outro vira um inimigo. Ou seja, pelo campo de visão do ressentido, o outro torna-se um grande companheiro se continuar provando a sua capacidade de gerar somente afetos alegres; mas se na relação surgir também afetos tristes, o seu “verdadeiro” amor (ou sua “verdadeira” amizade) é colocado em dúvida: “Não, você não me ama”. A prova desse “não amor” é justamente o afeto de tristeza que surgiu, em um determinado momento, na relação. Submetido à ficção do “eu”, o sujeito que ressente imagina que o outro o ama por ter-lhe proporcionado prazer... Mas também pode imaginar que o outro não o ama por ter-lhe proporcionado desprazer. Então, imagina-se que o outro pode ter sempre boas ou más intenções... As suas exigências nunca acabam: logo após uma efêmera satisfação, segue uma insatisfação perturbadora. O amor ideal, o amigo ideal, ou uma espécie de “amor-amigo” ideal: o homem perfeito e a mulher perfeita são apenas ícones engendrados por uma carência afetiva que varre todo o campo social. O interessante é que quando se descobre que o parceiro ideal não existe, muitos não querem mais sofrer por um amor “imperfeito”: a saída, então, é não “amar” mais ninguém, tornar-se cético, ter “coração de pedra”, fechar-se numa redoma de vidro e separar o sexo do amor. Paga-se caro por isso: vive-se, então, um sexo mecânico, pueril, sem sabor, quantitativo. Uma vida sexual triste é o que resta aos que perderam a capacidade de expressar livremente os seus sentimentos. E o pior: por não viverem uma relação sexual ligada ao amor, querem acreditar que experimentam o “melhor sexo possível”, já que “todo mundo age assim”. O máximo de prazer, a qualquer preço. As relações são niveladas por baixo, as noções de amor e amizade tornam-se extremamente superficiais.
[...]

Leia (na íntegra) este e outros textos em O anjo exterminador (também disponível em TEXTOS NA REDE)

sábado, 24 de maio de 2008

Édipo e os Dogon: o mito da modernidade questionado, por Henk Oosterling


Tradução: tomaZtadeu

Esta conferência é o resultado de uma antiga fascinação, que diz respeito a uma figura e a um título com os quais tenho me debatido por vários anos. Ambos estão em um livro, escrito pelo filósofo francês Gilles Deleuze e o psiquiatra de orientação lacaniana, Félix Guattari, intitulado Mil platôs, publicado em 1980. Ele constitui a segunda parte de um livro intitulado Capitalismo e esquizofrenia. O título é o seguinte: “28 de novembro de 1947 -- Como criar para si um corpo sem órgãos”. E sob esse curioso título vem um desenho, com a legenda: “O ovo dogon e a repartição de intensidades”.

Nesse título e nesse desenho encontramos uma combinação extremamente intrigante, mas um tanto obscura. Vou citar o primeiro parágrafo para lhes dar uma impressão do desespero filosófico de que fui tomado durante minha primeira leitura: “De todo modo você tem um (ou vários), não porque ele pré-exista ou seja dado inteiramente feito – se bem que sob certos aspectos ele pré-exista – mas de todo modo você faz um , não pode desejar não fazê-lo – e ele espera por você, é um exercício, uma experimentação inevitável, feita no momento em que você a empreende, não ainda efetuada se você não a começou. Não é tranqüilizador, porque você pode falhar. Ou às vezes pode ser aterrorizante, conduzi-lo à morte. Ele é não-desejo, mas também desejo. Não é uma noção, um cnceito, mas antes uma prática, um conjunto de práticas. Ao Corpo sem Órgãos não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba de chegar a ele, é um limite. Diz-se: que é isto – o CsO – mas se está sobre ele – arrastando-se como um verme, tateando como um cego ou correndo como um louco, viajante do deserto e nômade da estepe".

O título vem de um experimento radiofônico realizado pelo ator e escritor francês Antonin Artaud, no qual esse inovador do teatro, o qual, aliás, era considerado mais ou menos louco pelos psiquiatras, declara guerra aos órgãos. Filosoficamente falando: ele critica radicalmente a maneira como o indivíduo ocidental objetifica e vive seu corpo e seu desejo.

Para ler mais, clique aqui.

Sobre os Dogon: DOGON NOMMOS

domingo, 11 de maio de 2008

POLÍPTICO, por Tomaz Tadeu

[.............................................................]
[políptico] V. milonguita

É tudo uma questão de velocidade. Mais. Menos. Me sopra o marrano. O gentil polidor de lentes. É veloz, te digo. O garoto. Ou a escrita dele. Começa fio d’água. Já córrego. Já corre. Escorrego. Quando me dou conta, é marzão. Correnteza louca. Redemoinho. Furacão. Katrina. Catarinão. Vou junto. Me deixo levar. Me deixo? Mal digo. Sou arrastado. Surfa. Ela. Ele. Eu, no sulco. No rastro. Bustrofédon. Ele surta. Ela salta. Eu fico alto. Alterado. Sem tragar. Sem fungar. Sem picar. Na carreira sem carreirinhas. A secas. Como o outro. O bêbado de água cristalina. Mas inspiro, claro. Respiro. Me aproveito das travadas. Pois esse garoto também roda o pé. Dá pra trás. Fica de pé atrás. Logo agora que eu já tinha tirado os pés do chão. Mas agora foi ele quem fincou os pés no chão. Arrasta os pés. Pesadão. Dá topadas no rodapé. Parou de correr. Agora discorre, o sabidinho, o sabidão. Engraçado. Diz corre. Mas fica parado. Não tem outro jeito. Agora é a minha vez. De empurrar o garoto. Botá-lo pra correr. Quer dizer, a escrita dele. Ela continua escorrendo, não nego. Mas essas freadas, sei não. Esses papelitos espalhados pelo chão. Me dizendo o que eu deveria saber. Bocejo. So boring, so boring. Eu não quero saber nada. Saber de nada. Tira essa lousa da minha frente, good boy. Some com esse Livro. Com o Livro. Não vim aqui pra ser informado. Tua informação não vale um tostão. Não quero nem de graça. Te digo, assim perde a graça. Mas dou de barato e te digo logo, na marra, de sopetão, qual é a milonga. Qual é o barato. Mas você já sabe. Soube desde o começo. O que te atrapalhou foi o excesso de prudência. As salvaguardas. Mas aqui não tem nada pra salvar, nem guardas a proteger. Guarda aberta. Estamos aqui pra arriscar. É tudo ou nada. Rola o dado e manda ver. Depois, güenta o tranco. Ou você prefere a segurança do seu chãozinho? Uma milonguita que te leve de volta ao natal? Mas agora fui eu que perdi o caminho. Como ia dizendo, deixa de conversa fiada e me golpeie de uma vez. De direita ou de esquerda, não importa. Me bote a nocaute. Me atinja no peito. Na boca do estômago. Me deixe puto. Me irrite. Me alegre. Me deixe triste. Me arrebate. Tá certo. Eu admito. Foi mesmo isso que você fez a maior parte do tempo. Eu sei. Você dá mostras de que entende do riscado. Do arriscado. Você conhece os golpes. Boxeur. Esgrimista. Jazzeur. Você vai direto ao ponto. Do oponente você conhece os pontos fracos. Você é um atleta da escrita. Só não esqueça dos seus pontos fracos. É aqui que eu lhe pego. Já lhe disse alguns. Mas não todos. Desta vez você venceu. Mas ainda vou lhe fazer beijar as cordas. So long, bad boy.

[.........................................................................]
Leia o Políptico de Tomaz Tadeu na íntegra.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Onde há presença da potência o poder não cola, palestra de Luiz Fuganti

Essa expressão me emociona... Antes de tudo, boa noite a todos. É uma alegria imensa, é uma honra estar aqui e ser chamado pra ocupar um lugar, um tempo... Espero que esse tempo seja proveitoso para vocês e que... A gente sente que tem a dizer em relação aos problemas mais essenciais que atravessam as nossas vidas. Então, eu dizia que os problemas essenciais que atravessam as nossas vidas muitas vezes não são tocados, a gente apenas apreende os sintomas e os efeitos desses problemas, e a gente de alguma maneira tenta resistir, ou gritar, ou fazer com que algo em nós (algum tipo de voz, algum tipo de força) se manifeste. Mas, enquanto a gente não apreender mais do que os sintomas ou do que os efeitos; enquanto a gente não sair simplesmente de uma resistência; enquanto a gente ainda focar o outro ou uma referência (seja do ponto de vista do mal, seja do ponto de vista do bem... “evitar ou combater o mal”, “seguir e fazer o bem”), eu penso que a gente não está fazendo nada efetivamente. Estamos fazendo muito pouco, ou quase nada.

Me incomoda um pouco mais a palavra “resistência” do que talvez o conceito de resistência. Porque eu acho que mais que resistir, ou talvez, a melhor forma de resistir seja criar; a melhor forma de ocupar o espaço e o lugar é inventar lugar, esquecer os espaços dados. É inventar o próprio tempo, e não “ter tempo pra gastar”. Então, eu acho que não existe saída – mais até do que liberdade –, não existe saída senão a partir do crescimento de nós mesmos. Eu acho que antes de tudo a gente tem que começar a aprender a abrir as portas pr’as forças que nos atravessam, mais do que querer ocupar um papel ou uma função que talvez nos tenha sido designada (esses papéis, essas funções...) por forças que nós já esquecemos e são forças de poder.

Eu não acho que é uma boa saída, uma boa solução a gente ocupar o poder, ocupar lugares de poder. Eu acho que nossa questão é desconstruir o poder. O poder – se ele é masculino, se ele é feminino, se ele é negro, se ele é branco, se ele é índio... – só acontece a partir da impotência. Não há poder que não se alimente da impotência, que não precise das paixões tristes pra viver. Todo poder, ele está fundado na impotência. Então, isso pode até gerar algum tipo de confusão porque vocês podem pensar: “bom, mas então o que sobra? Se não tem o poder, se os que ocuparam o poder, os que ocupam o poder, os que têm poder, os que exercem poder simplesmente... devem ser varridos, devem ser eliminados e não ter mais poder de forma alguma?”. É exatamente o contrário: o que sobra é o que há de pleno na vida.

O poder é que deixa a vida imperfeita, que deixa a vida triste, que deixa a vida tediosa, que faz nos sentir ridículos, impotentes, tristes, entediados, depressivos e todas as desqualificações que a gente possa aqui enumerar. É o poder que na verdade obstrui os poros, as passagens dos afetos, das forças, dos tempos próprios que nos atravessam e que nós não sabemos mais tocar, nós não temos mais a sensibilidade pra essas forças, não temos mais a visão do tempo ou do imperceptível pro tempo próprio que nos atravessa, pro ritmo do nosso coração (não simplesmente como uma metáfora do coração, mas de fato um ritmo)... Não há ser neste universo que não tenha ritmo próprio, que não tenha vibração própria, que não crie tempo, que não crie espaço, que não crie corpo, a não ser quando ele perdeu a capacidade de reencontrar a fonte que o alimenta. E na medida em que a gente perde a capacidade de reencontrar a fonte que nos sustenta – que nos faz respirar, que nos faz ouvir, que nos faz falar, que nos faz pensar, que nos faz escrever, que nos faz andar, que nos faz ler, que nos faz acontecer... –, na medida em que a gente perde a relação com essa fonte, a gente pensa que o acontecimento é o lugar de uma banalização, de uma vulgarização, de uma desqualificação da vida. A vida não está mais no acontecimento. E a gente desinveste o acontecimento em prol de uma referência.

Transcrição da palestra proferida durante o 1º CULPSI - Cultura & Psicologia, evento realizado pelos estudantes de Psicologia da Faculdade de Tecnologia e Ciências (campus de Vitória da Conquista, Bahia), entre os dias 02 e 04 de Maio de 2007.


Clique aqui para ler a primeira parte da palestra.
Clique aqui para ler a segunda parte da palestra.