segunda-feira, 2 de março de 2009

Deleuze tirou a poeira das idéias de Bergson, por Peter Pál Pelbart


No início dos anos 70, em resposta a um amigo que o acusava de estar filosoficamente acuado, o pensador Gilles Deleuze escreveu: "Sou de uma geração, uma das últimas gerações que foram mais ou menos assassinadas com a história da filosofia. A história da filosofia exerce em filosofia uma função repressora evidente... Você não vai se atrever a falar em seu nome enquanto não tiver lido isto e aquilo, e aquilo sobre isto, e isto sobre aquilo. Na minha geração muitos não escaparam disso, outros sim, inventando seus próprios métodos e novas regras, um novo tom. Quanto a mim, "fiz" por muito tempo história da filosofia... Mas eu me compensava de várias maneiras. Primeiro, gostando dos autores que se opunham à tradição racionalista dessa história (e entre Lucrécio, Hume, Espinosa, Nietzsche, há para mim um vínculo secreto constituído pela crítica do negativo, pela cultura da alegria, o ódio à interioridade, a exterioridade das forças e das relações, a denúncia do poder... etc.). O que eu mais detestava era o hegelianismo e a dialética..."


Em seguida, Deleuze explica como conseguiu safar-se desse impasse: a partir dos autores comentados, produzia leituras insólitas, filhos ligeiramente "monstruosos": "O autor precisava efetivamente ter dito tudo aquilo que eu lhe fazia dizer. Mas que o filho fosse monstruoso também representava uma necessidade, porque era preciso passar por toda espécie de descentramentos, deslizes, quebras, emissões secretas que me deram muito prazer. Meu livro sobre Bergson me parece exemplar nesse gênero." (`Carta a um crítico severo', em "Conversações").


O livro sobre Bergson a que o autor se refere em sua carta sai agora em português pela Editora 34 com o título de "Bergsonismo", na fina e esmerada tradução de Luiz Orlandi. Ao debruçar-se sobre um filósofo já "clássico" e hoje um pouco esquecido como Bergson, Deleuze faz neste livro de 1966 uma monografia aparentemente despretensiosa. Aborda os grandes temas de Bergson: a intuição, a memória, a duração, o impulso vital. Mas o leitor se dá conta, desde logo, que está diante de um bergsonismo pouco comum, em todo caso nada espiritualista. A duração (nome dado por Bergson ao tempo) deixa de ser apenas uma experiência psicológica, para tornar-se um caso da duração ontológica, essência variável das coisas, condição da experiência. A memória, por sua vez, não é pensada como sendo interior a nós, nós é que somos interiores a uma gigantesca Memória, imemorial e ontológica, virtual e inconsciente. O impulso vital passa a designar o movimento pelo qual o ser se atualiza, não a partir de um "possível" ideal que o presente viria desovar, mas a partir de uma virtualidade (real) a ser desdobrada, diferenciada. A vida mesma é concebida como uma tal produção de diferenças - a vida é invenção.


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