sexta-feira, 9 de maio de 2008

Onde há presença da potência o poder não cola, palestra de Luiz Fuganti

Essa expressão me emociona... Antes de tudo, boa noite a todos. É uma alegria imensa, é uma honra estar aqui e ser chamado pra ocupar um lugar, um tempo... Espero que esse tempo seja proveitoso para vocês e que... A gente sente que tem a dizer em relação aos problemas mais essenciais que atravessam as nossas vidas. Então, eu dizia que os problemas essenciais que atravessam as nossas vidas muitas vezes não são tocados, a gente apenas apreende os sintomas e os efeitos desses problemas, e a gente de alguma maneira tenta resistir, ou gritar, ou fazer com que algo em nós (algum tipo de voz, algum tipo de força) se manifeste. Mas, enquanto a gente não apreender mais do que os sintomas ou do que os efeitos; enquanto a gente não sair simplesmente de uma resistência; enquanto a gente ainda focar o outro ou uma referência (seja do ponto de vista do mal, seja do ponto de vista do bem... “evitar ou combater o mal”, “seguir e fazer o bem”), eu penso que a gente não está fazendo nada efetivamente. Estamos fazendo muito pouco, ou quase nada.

Me incomoda um pouco mais a palavra “resistência” do que talvez o conceito de resistência. Porque eu acho que mais que resistir, ou talvez, a melhor forma de resistir seja criar; a melhor forma de ocupar o espaço e o lugar é inventar lugar, esquecer os espaços dados. É inventar o próprio tempo, e não “ter tempo pra gastar”. Então, eu acho que não existe saída – mais até do que liberdade –, não existe saída senão a partir do crescimento de nós mesmos. Eu acho que antes de tudo a gente tem que começar a aprender a abrir as portas pr’as forças que nos atravessam, mais do que querer ocupar um papel ou uma função que talvez nos tenha sido designada (esses papéis, essas funções...) por forças que nós já esquecemos e são forças de poder.

Eu não acho que é uma boa saída, uma boa solução a gente ocupar o poder, ocupar lugares de poder. Eu acho que nossa questão é desconstruir o poder. O poder – se ele é masculino, se ele é feminino, se ele é negro, se ele é branco, se ele é índio... – só acontece a partir da impotência. Não há poder que não se alimente da impotência, que não precise das paixões tristes pra viver. Todo poder, ele está fundado na impotência. Então, isso pode até gerar algum tipo de confusão porque vocês podem pensar: “bom, mas então o que sobra? Se não tem o poder, se os que ocuparam o poder, os que ocupam o poder, os que têm poder, os que exercem poder simplesmente... devem ser varridos, devem ser eliminados e não ter mais poder de forma alguma?”. É exatamente o contrário: o que sobra é o que há de pleno na vida.

O poder é que deixa a vida imperfeita, que deixa a vida triste, que deixa a vida tediosa, que faz nos sentir ridículos, impotentes, tristes, entediados, depressivos e todas as desqualificações que a gente possa aqui enumerar. É o poder que na verdade obstrui os poros, as passagens dos afetos, das forças, dos tempos próprios que nos atravessam e que nós não sabemos mais tocar, nós não temos mais a sensibilidade pra essas forças, não temos mais a visão do tempo ou do imperceptível pro tempo próprio que nos atravessa, pro ritmo do nosso coração (não simplesmente como uma metáfora do coração, mas de fato um ritmo)... Não há ser neste universo que não tenha ritmo próprio, que não tenha vibração própria, que não crie tempo, que não crie espaço, que não crie corpo, a não ser quando ele perdeu a capacidade de reencontrar a fonte que o alimenta. E na medida em que a gente perde a capacidade de reencontrar a fonte que nos sustenta – que nos faz respirar, que nos faz ouvir, que nos faz falar, que nos faz pensar, que nos faz escrever, que nos faz andar, que nos faz ler, que nos faz acontecer... –, na medida em que a gente perde a relação com essa fonte, a gente pensa que o acontecimento é o lugar de uma banalização, de uma vulgarização, de uma desqualificação da vida. A vida não está mais no acontecimento. E a gente desinveste o acontecimento em prol de uma referência.

Transcrição da palestra proferida durante o 1º CULPSI - Cultura & Psicologia, evento realizado pelos estudantes de Psicologia da Faculdade de Tecnologia e Ciências (campus de Vitória da Conquista, Bahia), entre os dias 02 e 04 de Maio de 2007.


Clique aqui para ler a primeira parte da palestra.
Clique aqui para ler a segunda parte da palestra.

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