sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

As Esquizoanálises


por Félix Guattari
Tradução Nedelka Solís Palma & Eder Amaral e Silva
Revisão técnica Valter A. Rodrigues


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Este seminário sobre “as esquizoanálises” não encontrará seu próprio regime a menos que ele mesmo se ponha a funcionar em um nível que eu qualificaria de “meta-modelização”. Dito de outra forma, se ele nos permitir cercar melhor nossos próprios agenciamentos de enunciação – seria melhor dizer: os agenciamentos de enunciação aos quais estamos adjacentes. Neste sentido, faço questão de repetir que nunca concebi a esquizoanálise como uma nova especialidade, que seria chamada a colocar-se nas fileiras do domínio psi. Em minha opinião, suas ambições deveriam ser, ao mesmo tempo, mais modestas e maiores. Modestas porque, se ela deverá existir um dia, é porque já existe um pouco por toda parte, de maneira embrionária, sob diversas modalidades; no entanto, ela não tem nenhuma necessidade de uma fundação institucional dentro da boa e velha regra. Maiores, na medida em que a esquizoanálise tem, do meu ponto de vista, uma vocação para tornar-se uma disciplina de leitura de outros sistemas de modelização. Não a título de modelo geral, mas como instrumento de deciframento de pragmáticas de modelização em diversos domínios. Poder-se-ia objetar que o limite entre um modelo e um meta-modelo não se apresenta sempre como uma fronteira estável. E que, em certo sentido, a subjetividade é sempre mais ou menos atividade de meta-modelização (na perspectiva proposta aqui: transferência de modelização, passagens transversais entre máquinas abstratas e territórios existenciais). O essencial torna-se então efetuar um deslocamento do acento analítico que consiste em fazê-la derivar de sistemas de enunciado e de estruturas subjetivas pré-formadas para agenciamentos de enunciação capazes de forjar novas coordenadas de leitura e de “pôr em existência” representações e proposições inéditas.

A esquizoanálise será, portanto, essencialmente excêntrica em relação às práticas psi profissionalizadas, com suas corporações, sociedades, escolas, iniciações didáticas, “passe”, etc. Sua definição provisória poderia ser: a análise da incidência dos agenciamentos de enunciação sobre as produções semióticas e subjetivas, em um contexto problemático dado. Eu voltarei a essas noções de “contexto problemático”, de cena e de “posto em existência”. Por enquanto, me limito a mostrar que eles podem referir-se a coisas tão diversas como um quadro clínico, um fantasma inconsciente, uma fantasia diurna, uma produção estética, um fato micropolítico... O que conta aqui é a idéia de um agenciamento de enunciação e de uma circunscrição existencial, que implica o desenvolvimento de referências intrínsecas, ou seja, de um processo de auto-organização ou de singularização.

Por que esse retorno, como um leitmotiv, aos agenciamentos de enunciação? Para evitar atolar-se, tanto quanto for possível, no conceito de “Inconsciente”. Para não reduzir os fatos da subjetividade a pulsões, afetos, instâncias intra-subjetivas e relações inter-subjetivas. Como é óbvio, esse gênero de coisas terá um lugar nas preocupações esquizoanalíticas, mas somente a título de componente e sempre em certos casos de enfoque. Destacamos, por exemplo, que existem agenciamentos de enunciação não comportando componentes semiológicos significacionais, agenciamentos que não têm componentes subjetivos, outros que não têm componentes conscienciais... O agenciamento de enunciação será levado, assim, a “exceder” a problemática do sujeito individuado, da mônada pensante conscientemente delimitada, das faculdades da alma (o entendimento, a vontade...), na sua acepção clássica. Parece-me importante sublinhar de passagem que, no início, sempre tratamos com conjuntos, com conjuntos que são, a princípio, indiferentemente materiais e/ou semióticos, individuais e/ou coletivos, ativamente maquínicos e/ou passivamente flutuantes. [continua...]


Clique aqui para ler o texto completo, publicado na Revista Ensaios (Universidade Federal Fluminense), n.1, v.1, ano 1, 2° sem. 2008.

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