sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Conferência de John Holloway: “a esquerda sempre fracassará, enquanto não superar a democracia representativa"


"O problema não é Lula nem o PT, mas a democracia participativa. A democracia representativa não é nossa democracia, é a democracia deles, a democracia do capital. Não articula nosso poder, articula o poder deles, o poder do capital e dos poderosos. Nosso poder não é como o poder dos poderosos. É completamente distinto. Nosso poder é o poder-fazer, o poder criativo. Nosso poder-fazer é o poder de produzir e reproduzir a vida, porém, também o de fazer as coisas de outra maneira, o poder de mudar o mundo".


Tradução: Bárbara Ablas


O que fazer com a desilusão? O que fazer quando a democracia não funciona? O Brasil é um país muito especial para formular essa pergunta. Há apenas dois anos, a esquerda mundial festejou o triunfo de Lula nas eleições. Houve uma grande vitória para a democracia, uma vitória real para a esquerda . E não qualquer esquerda, mas um partido de militância comprovada, com um líder trabalhador de miltância comprovada. Aqui, finalmente, todo mundo podia ver que era possível mudar a sociedade através de eleições democráticas. E agora? Dois anos depois, desilusão total. A eleição de Lula não mudou o Brasil, o governo segue implementando as mesmas políticas do capitalismo neoliberal.

O que farão então com a desilusão? Escolher outro líder e esperar que seja  melhor que Lula? Formar outro partido e esperar que seja melhor que o PT? Isto é o terrível dos governos de esquerda: quando fracassam (e sempre fracassam) parece que não há nenhuma solução e se instala a depressão. O fracasso de Lula não é simplesmente um fenômeno brasileiro. É a repetição, no Brasil, de uma experiência mundial. Há uma palavra que ocorre uma e outra vez na história da esquerda estadocêntrica em todo o mundo: traição. O fato da traição repetir-se tão seguidamente faz com que o conceito de “traição” se torne ridículo. O fracasso da esquerda não pode ser simplesmente questão de traição, da culpa de um líder nem de um partido: tem a ver com as mesmas estruturas. O fato de que não é apenas uma experiência brasileira significa que temos que ir mais além de uma crítica a Lula ou ao PT.

II

O problema não é Lula nem o PT, mas a democracia participativa. A democracia representativa não é nossa democracia, é a democracia deles, a democracia do capital. Não articula nosso poder, articula o poder deles, o poder do capital e dos poderosos. Nosso poder não é como o poder dos poderosos. É completamente distinto. Nosso poder é o poder-fazer, o poder criativo. Nosso poder-fazer é o poder de produzir e reproduzir a vida, porém, também o de fazer as coisas de outra maneira, o poder de mudar o mundo. Este é o poder que sentimos em um evento como este: uma confiança coletiva de que podemos fazer as coisas de outra maneira.

Nosso poder é coletivo e social. O fazer é o centro de nosso poder, e é impossível imaginar um fazer que não seja social, que não dependa dos fazeres de outros, no passado ou no presente. Nosso fazer é sempre parte de um fluxo social do fazer. O desenvolvimento de nosso poder sempre implica o reconhecimento explícito da sociedade do fazer, implica, em outras palavras, um movimento de reunir e afirmar uma subjetividade social, um nós criativo. O poder dos poderosos é todo o contrário. Por trás de suas armas e bombas há um movimento de separação e fragmentação. O capital é um movimento de separação que fragmenta a sociedade do fazer. O capital toma o que os fazedores fizeram e diz: “isto é meu!”. O capitalista rompe o fazer, separa o feito do fazer e do fazedor, e com isso tudo se rompe, cada aspecto da vida. A respeito de tudo estamos rotos. Nós estamos rotos como sujeito social, despedaçados em milhões de indivíduos atomizados. O capital é a ruptura do fazer social, e quando o fazer se rompe, o ser impõe-se, o que é domina. Vemos os horrores do mundo, as crianças que morrem, a pobreza e a injustiça, as bombas que caem, e gritamos “Não! Não pode ser. Temos que mudar o mundo, temos que fazer outro mundo” E eles riem: Vocês são nada mais que um grupo de indivíduos. Não podem mudar o mundo porque o mundo é assim, assim são as coisas”.

Estão evidentemente equivocados. O que é, somente é porque nós o fizemos e o seguimos fazendo. O que é depende de nosso nosso fazer. O capital depende de nós. O capital se vê estável e eterno. Porém, não é. Existe somente porque nós o criamos. Não porque o criamos há duzentos anos, mas porque o criamos hoje. O problema não é abolir o capitalismo, o problema é deixar de criá-lo. [...]

Leia mais em:

http://www.ainfos.ca/04/dec/ainfos00220.html 

Mais sobre Holloway:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2003/11/268075.shtml

Um comentário:

Valter A. Rodrigues disse...

Bastante oportuno, este texto, para inaugurarmos mais um ano. Que 2009 não seja simplesmente mais um ano...