sexta-feira, 5 de junho de 2009

O QUE É SER CONTEMPORÂNEO? A visão de Giorgio Agamben

O que é ser contemporâneo? Essa foi a pergunta que guiou o curso de filosofia que Giorgio Agamben apresentou no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza. É também o título deste ensaio, até hoje inédito em espanhol [e português], publicado pelo jornal Clarín em 21-03-09. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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1.

A pergunta que eu gostaria de inscrever no início deste seminário é: "De quem e de que somos contemporâneos? E, sobretudo, o que significa ser contemporâneos?". (...) De Nietzsche vem-nos uma indicação inicial, provisória, para orientar nossa busca por uma resposta. (...) Em 1874, Friedrich Nietzsche, um jovem filólogo que havia trabalhado até então em textos gregos e, dois anos antes, havia alcançado uma celebridade imprevista com "A origem da tragédia", publica as "Considerações Intempestivas", com as quais quer acertar contas com o seu tempo, tomar posição com relação ao presente. "Intempestiva é essa consideração", lê-se no começo da segunda Consideração, "porque tenta entender como um mal, um inconveniente e um defeito algo do qual a época justamente se sente orgulhosa, ou seja, sua cultura histórica, porque penso que todos somos devorados pela febre da história e deveríamos, pelo menos, nos dar conta disso".

Nietzsche situa, portanto, sua pretensão de "atualidade", sua "contemporaneidade" com relação ao presente, em uma desconexão e em uma defasagem. Pertence realmente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo aquele que não coincide perfeitamente com aquele, nem se adequa a suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual. Mas, justamente por isso, a partir desse afastamento e desse anacronismo, é mais capaz do que os outros de perceber e de apreender o seu tempo.

Essa não-coincidência não significa, naturalmente, que seja contemporâneo quem vive em outra era, um nostálgico que se sente mais cômodo na Atenas de Péricles, ou na Paris de Robespierre e do Marquês de Sade do que na cidade e no tempo em que lhe coube viver. Um homem inteligente pode odiar o seu tempo, mas sabe que irrevogavelmente lhe pertence, sabe que não pode fugir de seu tempo.

A contemporaneidade é, pois, uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, toma distância dele. Mais exatamente, é "essa relação com o tempo que adere a este, por meio de uma defasagem e de um anacronismo". Os que coincidem de um modo excessivamente absoluto com a época, que concordam perfeitamente com ela, não são contemporâneos, porque, justamente por essa razão, não conseguem vê-la, não podem manter seu olhar fixo nela.

[cont.]

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Leia o texto na íntegra em IHU - Instituto Humanitas Unisinos

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