domingo, 11 de maio de 2008

POLÍPTICO, por Tomaz Tadeu

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[políptico] V. milonguita

É tudo uma questão de velocidade. Mais. Menos. Me sopra o marrano. O gentil polidor de lentes. É veloz, te digo. O garoto. Ou a escrita dele. Começa fio d’água. Já córrego. Já corre. Escorrego. Quando me dou conta, é marzão. Correnteza louca. Redemoinho. Furacão. Katrina. Catarinão. Vou junto. Me deixo levar. Me deixo? Mal digo. Sou arrastado. Surfa. Ela. Ele. Eu, no sulco. No rastro. Bustrofédon. Ele surta. Ela salta. Eu fico alto. Alterado. Sem tragar. Sem fungar. Sem picar. Na carreira sem carreirinhas. A secas. Como o outro. O bêbado de água cristalina. Mas inspiro, claro. Respiro. Me aproveito das travadas. Pois esse garoto também roda o pé. Dá pra trás. Fica de pé atrás. Logo agora que eu já tinha tirado os pés do chão. Mas agora foi ele quem fincou os pés no chão. Arrasta os pés. Pesadão. Dá topadas no rodapé. Parou de correr. Agora discorre, o sabidinho, o sabidão. Engraçado. Diz corre. Mas fica parado. Não tem outro jeito. Agora é a minha vez. De empurrar o garoto. Botá-lo pra correr. Quer dizer, a escrita dele. Ela continua escorrendo, não nego. Mas essas freadas, sei não. Esses papelitos espalhados pelo chão. Me dizendo o que eu deveria saber. Bocejo. So boring, so boring. Eu não quero saber nada. Saber de nada. Tira essa lousa da minha frente, good boy. Some com esse Livro. Com o Livro. Não vim aqui pra ser informado. Tua informação não vale um tostão. Não quero nem de graça. Te digo, assim perde a graça. Mas dou de barato e te digo logo, na marra, de sopetão, qual é a milonga. Qual é o barato. Mas você já sabe. Soube desde o começo. O que te atrapalhou foi o excesso de prudência. As salvaguardas. Mas aqui não tem nada pra salvar, nem guardas a proteger. Guarda aberta. Estamos aqui pra arriscar. É tudo ou nada. Rola o dado e manda ver. Depois, güenta o tranco. Ou você prefere a segurança do seu chãozinho? Uma milonguita que te leve de volta ao natal? Mas agora fui eu que perdi o caminho. Como ia dizendo, deixa de conversa fiada e me golpeie de uma vez. De direita ou de esquerda, não importa. Me bote a nocaute. Me atinja no peito. Na boca do estômago. Me deixe puto. Me irrite. Me alegre. Me deixe triste. Me arrebate. Tá certo. Eu admito. Foi mesmo isso que você fez a maior parte do tempo. Eu sei. Você dá mostras de que entende do riscado. Do arriscado. Você conhece os golpes. Boxeur. Esgrimista. Jazzeur. Você vai direto ao ponto. Do oponente você conhece os pontos fracos. Você é um atleta da escrita. Só não esqueça dos seus pontos fracos. É aqui que eu lhe pego. Já lhe disse alguns. Mas não todos. Desta vez você venceu. Mas ainda vou lhe fazer beijar as cordas. So long, bad boy.

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Leia o Políptico de Tomaz Tadeu na íntegra.

4 comentários:

Valter A. Rodrigues disse...

Quando li este texto, imediatamente reconheci: Eis Thomaz Tadeu havendo-se com a tradução da Ética de Spinoza...

para confirmar como a luta foi dura e produtiva, leiam essa excelente tradução:
Spinoza. Ética. ed. bilíngue port.-latim. trad. Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

Valter A. Rodrigues disse...

E se não for isso, se for qualquer outra coisa que não o que imagino, ler este texto é como haver-me com os encontros com o marrano, no vai e vem das leituras, tropeçando nas proposições, nos escólios, nas demonstrações...

Unknown disse...

Oi, Valter, interessante ler o que você imaginou. Sim, isso tem evidentes ecos do tempo em que estava traduzindo a Ética. Mas, na verdade, foi um "parecer" que escrevi para uma banca de defesa de projeto de dissertação de Mestrado. A pessoa a quem me dirijo é o garoto que escreveu o projeto. Mas, como você diz, isso não interessa (por isso mesmo, não dei explicações quando publiquei na revista da UFMG). E obrigado pela generosa referência à minha tradução.
Tomaz Tadeu

Valter A. Rodrigues disse...

Um parecer! Isso é fantástico. Depois deste, vi, em outra página, vários pareceres seus, todos neste estilo. Esta é a grande saúde: a alegria no pensamento. Por não deixar de ser sério - é de uma seriedade alegre, a única que vale -, resiste a qualquer sisudez [que, ao se fazer solene - uma afetação que não se deixa afetar - só consegue ser triste], levando, coisa rara, a alegria à academia.