sábado, 6 de junho de 2009

Respiro, por Amauri Ferreira

Nos momentos de respiro estamos acompanhados da nossa própria experiência porque ousamos nos entregar, mesmo que temporariamente, ao aspecto inútil da existência. Somente assim podemos perceber que, de fato, não paramos de mudar um só instante, que nos diferenciamos ininterruptamente – nesse processo sentimos emergir uma grande alegria por participarmos de uma realidade que se alimenta de si mesma. Passamos a amar e a desejar a potencialização da nossa capacidade de sermos profundamente afetados pelo tempo. Como aprendemos a amar as experiências dessa natureza, somos pressionados a comunicar aos outros essa grande emoção da mente – e é inevitável que os pensamentos nunca antes imaginados tornem-se presentes para nós. Essa grande sensação nos coage a vivermos cada vez mais assim: o inútil, o maravilhosamente inútil, expressa a interrupção temporária da agitação, do barulho que provém das quinquilharias eletrônicas, da insana correria de pessoas que precisam atender telefones, ir para o trabalho, consumir distrações, enfim, tudo o que caracteriza o cotidiano do homem utilitário. Com uma virtude encarnada, quem é grande esforça-se, sempre naquilo que pode, para varrer para longe de si a maior parte das obrigações sociais estabelecidas, e trava um combate contínuo contra o automatismo crescente das pessoas, que reproduz uma humanidade embotada, escrava do seu fanatismo utilitário, da sua repugnância contra tudo que é estranho, do seu ódio contra o tempo. Mas a criação e toda grande sensação apenas podem ser filhas do inútil!... Somente assim podemos redimir o útil... Nada nos falta quando entendemos que, para que haja a geração do novo, basta nos aprofundarmos no nosso próprio tempo – um tempo que maquina silenciosamente cada modificação em nós.  É através dele que encontramos o nosso ritmo para tudo que fazemos.


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2 comentários:

Unknown disse...

O que pode nos destruir na vida não é o que os outros fazem para nós, mas o que permitimos que outros façam de nós...
Que beleza é viver no anonimato, pois todos buscam as mesmas coisas, poder, riqueza e prazer...

Anônimo disse...

A.mau.ri... que desaforo, que folga dar voz ao único tempo que urge: o de não "ter que" fazer nada! Só se aprende essa lição a custo de muito desencontro, muito sorriso de tom amarelo-conveniente.

Como a "competência" e o "compr.o.misso" nos assediam por toda parte, é preciso mesmo muito desejo – e uma certa astúcia – para "vagamundar"...

Abraço!
eder