terça-feira, 3 de agosto de 2010

Alegria de Segundo Plano ou Alegria Acontecimento, por Bruno Vasconcelos

Resumo:
O presente trabalho é uma versão modificada do texto base utilizado para apresentação da dissertação de mestrado intitulada Cartografias da Alegria na Clínica e na Literatura, defendida em maio de 2005, na PUC de São Paulo. Nele percorro alguns dos problemas que desembocaram na escrita da dissertação. Casos clínicos e contos literários deram ensejo a uma problematização da clínica enquanto espaço de metamorfose das sensações em vibrações intensivas, enquanto espaço aberto ao tempo, enquanto espaço expressivo – tomando a alegria como potência, e por fim, enquanto espaço e duração de dor e sofrimento. No plano teórico, os pensamentos de Nietzsche, Espinosa, Deleuze e Blanchot, alimentaram a escrita e forçaram o autor a buscar pontos de conexões e transversalidades, linhas de fuga e devires, no esforço de construir um texto que desse conta da alegria. Tomar a clínica como produção de subjetividades em meio ao encontro com o intolerável e o trágico, levando o pensamento a paragens antes desconhecidas. Este trabalho sinaliza a existência de um modo subterrâneo percorrendo a produção da escrita, no encontro intensivo com aquilo que não sabemos nomear.

Palavras-chave: alegria; clínica; literatura.

Se, antes de tratar nosso tema detidamente, disséssemos, gracejando, que todos os seres desejam contemplar e voltam-se a esse fim, tanto os racionais quanto os irracionais, e ainda as plantas e a terra que as engendra, e que todos estes seres chegam a esse fim enquanto são capazes, de acordo com sua natureza, mas que eles contemplam cada um a seu modo e alcançam algumas vezes a realidade e outras vezes uma imitação e uma imagem da realidade, poderia alguém suportar tal paradoxo de nosso discurso? Porém, estamos em família e não corremos perigo de adular-nos a nós mesmos. É verdade que, de pronto, nós contemplamos no momento presente, enquanto nos entretemos? E certo que nós contemplamos, como todos aqueles que se divertem; divertimo-nos porque desejamos contemplar; e tanto as crianças quanto os adultos, brinquem ou estejam sérios, parecem não ter outro fim que a contemplação. Todas as ações tendem à contemplação: sejam as ações necessárias, que dirigem principalmente nossa contemplação em direção às coisas exteriores, sejam as ações voluntárias (livres), que as dirigem menos em direção ao exterior, não tendo outro móvel que a contemplação.
Porém, de tudo isto trataremos depois. Falemos agora da terra, das árvores e das plantas. Digamos qual seja sua contemplação e como podemos reduzir as coisas produzidas pela terra e saídas dela à sua atividade contemplativa; como a natureza, que se diz carecer de fantasia e de razão, possui em si contemplação e o que faz o produz pela contemplação que (segundo alguns dizem) ela não possui. (
Plotino, citado por Quiles, 1981, pp. 65-66)


A produção de uma dissertação de mestrado constitui um percurso árduo e curioso. No início da escrita de meu trabalho não tinha a menor idéia de como ele terminaria, suas idas e vindas, os modos e maneiras como o texto se fazia, seus excessos, os momentos de secura, o intenso desejo de escrever, e também sua ausência. Há uma alegria de segundo plano que corre pela dissertação. Uma alegria estranha, um puro sofrimento a convocar distintas maneiras de expressão.
Em um mesmo plano de composição, tornou-se possível produzir aproximações de campos distintos, através de uma abordagem paratática, no circuito clínica/literatura/pensamento. Distante ficou a imagem idealizada de uma dissertação de mestrado nos moldes de um academicismo restrito, improdutivo, pouco alegre. Ao fim da viagem, o trabalho apresentado à banca em maio de 2005, intitulado Cartografias da Alegria na Clínica e na Literatura, fez-se de uma maneira insólita e inédita. Fez-se como um exercício de criação, uma linha de fuga, um exercício de aprendizagem em devir.
Um segundo plano salta dos fragmentos clínicos e dos contos literários narrados ao longo do texto, um segundo plano que aos poucos foi se apagando, para ficar o registro escrito, capítulos, páginas, parágrafos, linhas. De memória evoco um verso do poeta Murilo Mendes a dizer: Como são fundamentais / Estes sofrimentos de segundo plano! (Mendes, 1994, p. 543). Penso que poderia brincar com o poeta, dizer de outra maneira, como são fundamentais estas alegrias de segundo plano!


Faça download do texto integral.

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Bruno Vasconcelos de Almeida é Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Professor da PUC Minas, Instituto de Psicologia da PUC Minas. E-mail: brunovasconcelos@pucminas.br

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