terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A arte e o problema da expressão, por Luiz Fuganti


Os caminhos que devolvem a expressão são os mesmos que fazem do corpo e do pensamento labirintos vitais. Labirintos de gestos e sentidos. Como andarilhos ou viandantes buscamos a vida intensiva. Mas encontramo-la também ou principalmente na arte? Não há referência que se revele no fim do horizonte. Nem há fim ou começo, nem tábula rasa. Há apenas limiares num horizonte movente. Movimento sem projetos e sem memórias. O movimento em ato como único horizonte absoluto de cada singularidade. Por isso não encontramos a expressão mais plena do nosso desejo enquanto procuramos seu sentido e oriente na transcendência da existência. Só encontramos o essencial do corpo, o vital do pensamento, no movimento mesmo que os constitui por dentro, mas bem ali, no foco excêntrico, no ponto onde o dentro toca o fora, onde todo vivente toca o acontecimento imanente que o faz viver. É quando a essência vital se revela como pura potência, que se expressa na superfície mais fluida, na mais fina espessura do presente, na presença criadora do gesto e do sentido. Potência ligada, ligada ao que pode. Mas então o que pode nos separar desta potência em ato, usina da vida? Maus encontros, a vida tornada fraca busca a qualquer custo se conservar, mas se conserva enquanto vida rebaixada, diminuída. Nessa condição investirá em valores que já não pode criar, idéias prontas, leis, referências exteriores que prometem segurança. Formas do tempo e do espaço que os homens reativos criam e estabelecem como valores superiores ao ser do tempo e do espaço, isto é, como superiores e mais reais que a vida. E isso para prover essa vida enfraquecida de certa ordem e realidade que ela perdeu. Realidade? Ordem? Delírio de ordem e de realidade. É tudo o que nos separa de nossa própria potência. Investimos num "horizonte" fictício. Orientamos nossa percepção do mundo numa atmosfera engessada pela impotência. Muro da representação, onde centramos a atenção do nosso desejo em lógicas imaginárias, conexões simbólicas, significantes e representantes de uma ordem e realidade mais verdadeiras. Quando representamos o real, o perdemos de saída. Quando a vida quer representar, é a própria vida que se perde. É a nossa danação. Deixamos escapar diante de nossos olhos a vida como potência ativa e afirmativa, diferencial e diferenciante, criadora do próprio real. Porque estar vivo nada mais é do que produzir realidade, estofo e consistência do próprio tempo, pelo simples ato do viver. Mas o ato da potência ou do virtual da vida só o encontramos no MEIO, no tempo que rasga o instante e devém acontecimento que estica ou condensa o presente de cada passagem ou afeto do desejo, eternidade das metamorfoses. Devires afetivos ou potências de modificação de si. Assim, não apenas criamos arte ou novas maneiras de perceber o mundo, novos horizontes sem referência para a vida, mas fazemos da própria vida em nós uma obra de arte. É no mesmo lance que encontramos a expressão e ultrapassamos a representação. E nessa bifurcação é toda a vida que se torna intensiva. Intensidades e expressões. Não mais formas e conteúdos. O gesto do corpo devém conteúdo intensivo sem forma prévia, sem marcas ou programação. A linguagem verbal manifesta qualidades expressivas imediatas, que vibram e ressoam mais do que comunicam. Sem formalizações mediadoras ou representantes de um conteúdo transcendente. O conteúdo do gesto e a expressão do sentido tornam-se um só acontecimento do desejo. É toda matéria em nós ou todo nosso corpo profundo que sobe à superfície mais imediata e se torna pele física e metafísica. Tornamo-nos assim puros seres múltiplos de luz e sensação que desenham e fabulam na superfície da vida. Bodas de um corpo tornado pleno e de um pensamento liberto do sujeito, livre dos aguilhões da consciência.Estes foram alguns traços dos labirintos palmilhados, percursos inventados, que atravessamos e nos atravessaram nessa alegre e emocionante experimentação que fizemos nos encontros com o grupo Solos do Brasil, reunidos em torno do maravilhoso Teatro Essencial de Denise Stoklos. Teatro que libera de modo magistral os gestos das formas de conteúdo e a palavra das formas de expressão, reencontrando o próprio movimento dos afetos como mestre único da passagem à expressão.

Para ler mais: faça download da aula aberta proferida por Luiz Fuganti no encerramento dos encontros do Projeto Solos do Brasil.

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