segunda-feira, 21 de abril de 2008

Autopoiesis: uma definição, por Humberto Maturana

O biólogo chileno Humberto Maturana é co-criador, junto com Francisco Varela, da Autopoiesis, termo que designa os processos de funcionamento de sistemas auto-organizáveis vivos, mas que engloba também outras dimensões, como processos sociais, produção de conhecimento e inteligência artificial. Em matéria exclusiva para CIBERCULTURA, Maturana transcende as antigas discussões sobre a origem da vida na Terra e mostra o poder transformador de sua teoria.

Um dos temas centrais da biologia é caracterizar os seres vivos em termos do que eles são em si mesmos. Mas que tipo de entidade são os seres vivos? Eles podem ser caracterizados em termos puramente biológicos sem usar noções metafísicas como um princípio vital? Outro tema central tem sido o da diversidade biológica e como surge essa diversidade na história da vida na Terra. A biologia moderna diz que os seres vivos teriam surgido na Terra há mais ou menos quatro bilhões de anos. A pergunta fundamental seria em relação a esse tema: o que realmente se originou quando os seres vivos surgiram sobre a Terra? Para responder a essas perguntas, é necessário criar várias condições que, por um lado, definam o marco ou a postura conceitual a partir de onde as perguntas serão respondidas e que, por outro lado, indiquem o critério a ser utilizado para gerar as respostas e saber se as respostas propostas são ou não aceitáveis. Em 1960, quando me deparei com essas perguntas num curso de biologia que ministrava na Universidade do Chile, adotei como ponto de partida as seguintes noções básicas:

1- Os seres vivos são entidades moleculares dinâmicas discretas que existem em contínua mutação; portanto, o que se originou há quatro bilhões de anos quando os seres vivos surgiram na Terra é uma entidade desse tipo.

2- A pergunta no final do primeiro parágrafo deve ser respondida propondo uma configuração de processos moleculares que, no seu funcionamento, podem resultar no aparecimento de uma unidade discreta que, perante um observador, surge indistinguível de um ser vivo, porque seu funcionamento provoca de maneira direta ou indireta todos os fenômenos conhecidos ou desconhecidos gerados pelos seres vivos.

3- Para conhecer a configuração molecular dos seres vivos, é necessário encontrar um critério operacional que permita dizer se essa configuração de processos moleculares proposta geraria de fato entidades discretas indistinguíveis de seres vivos.

4- Esse critério operacional é a autonomia dos seres vivos. O fato de que são entidades autônomas é evidente, já que tudo o que ocorre com os seres vivos está relacionado com a conservação de seu processo de vida. Tal critério operacional exige que a configuração molecular proposta gere entidades autônomas, porque tudo o que acontece com eles e neles se refere a eles mesmos.

Que tipo de entidades são (somos) os seres vivos? São (somos) redes fechadas de produções moleculares que, em suas interações, produzem a mesma rede de produções moleculares que as produziu e determinam, com seu funcionamento, sua extensão como unidades discretas. Isto é, a resposta é que os seres vivos são sistemas autopoiéticos moleculares, já que tudo o que acontece neles e com eles tem a ver com sua própria realização e conservação como sistemas autopoiéticos moleculares.

Dada essa resposta, as respostas às outras perguntas surgem sozinhas a partir do entender de que necessariamente a história dos seres vivos tem sido uma história de conservação da autopoiese em linhagens distintas. Estas, por sua vez, surgem como variações na forma em que a autopoiese se realiza e se conserva.

Porém, há uma última observação.

O entendimento de como ocorre a realização e a conservação da autopoiese em relação ao fenômeno do viver e do conhecer tem levado eu e Ximena Dávila, fundadora do Instituto de Formación Matríztica, a desenvolver esse entendimento num âmbito operacional básico para tudo o que fazemos durante nossas vidas, processo que denominamos de Matriz Biológica da Existência Humana. O conceito revela as condições de constituição e conservação do Humano como um tipo de ser que pode compreender e explicar seu próprio m
odo de existir.

Humberto Maturana

7 comentários:

Valter A. Rodrigues disse...

Estou lendo um pequeno livro de Maturana - na realidade, transcrição de palestra dada no Chile em 1988 - que é um primor, do ponto de vista ético e político. A palestra é uma cuidadosa demonstração, fundada na biologia, do amor como fundamento do laço social.

Valter A. Rodrigues disse...

Ah, sim, o livro: Emoções e linguagem na educação e na política. 4a. reimpr. BH, Ed. UFMG, 2005.
Vale a pena procurar e ler.
Estou aguardando (encomendei na livraria) A ontologia da realidade, também de Humberto Maturana, tb publicado pela UFMG. Esse é brilhante, eu o li há muito tempo, emprestado por um amigo.
Ler maturana hoje é, para dizer o mínimo, necessário.

Filosofia Livre disse...

Comprei ontem o Emoções e linguagem na educação, na Livraria Cultura, por 24 reais... Dicas preciosas, Valter.

Valter A. Rodrigues disse...

Tsk tsk, o que dá viver em sampa... aqui paguei 21,00, na Letras&Prosa... sabe como é, cliente preferencial, etc. & tao...

Filosofia Livre disse...

É, em sampa é tudo mais caro. Saiu um livro do Nietzsche, "Vontade de poder", por 70 reais na Livraria Cultura. Desse jeito, vai ficar difícil expandir a minha biblioteca...

Valter A. Rodrigues disse...

Bem, consegui o Ontologia da realidade em BH, na editora da UFMG. Segundo informaram, a edição está esgotada, mas estão preparando uma reedição..

Anônimo disse...

Gostaria de lembrar que autopoiese é uma noção que procura explicar o operar dos seres vivos como unidades que se autoproduzem. E, essa noção somente se aplica aos seres vivos como seres determinados na sua estrutura. Não se aplica à sociedade ou a outros fenômenos.